CARF autoriza Compensação de créditos tributários que ainda estejam em discussão judicial

Em maio de 2018, a 2ª Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), no julgamento do processo administrativo nº 10880.906342/2008­96, que tinha como objeto, pedido de ressarcimento referente a valores pagos a mais de PIS e COFINS, entendeu ser possível que o contribuinte fizesse uso do instituto da Compensação Tributária, mesmo que houvesse discussão sobre a matéria em trâmite no judiciário, sem trânsito em julgado.

O entendimento foi baseado no precedente vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF), consolidado no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 357.950 que discutia inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98, uma vez que a noção de faturamento contida no inciso I, do artigo 195 da Constituição, antes da Emenda Constitucional 20/98, não previa a incidência de PIS e COFINS sobre a totalidade das receitas auferida pelas empresas.

A compensação é um instituto jurídico que serve para extinguir obrigações entre pessoas que forem, ao mesmo tempo, credora e devedora uma da outra, até o limite em que as quantias se compensem.

O artigo 170-A do Código Tributário Nacional (CTN) dispõe que, no caso de o contribuinte ter ingressado na esfera judicial para debater a questão sobre o valor ou mesmo se o tributo seria devido, a compensação na esfera administrativa seria vedada, antes do trânsito em julgado do processo.

O objetivo do dispositivo é evitar a compensação do tributo, mediante liminar, já que esse tipo de decisão tem caráter precário e pode ser revogada a qualquer tempo. Caso isso acontecesse, poderia trazer prejuízo tanto ao erário, quanto ao o próprio contribuinte, caso tivesse de devolver o valor ressarcido ou compensado, com juros e correção monetária.

Tal dinâmica funcionava na vigência do Código de Processo Civil de 1973. Com a entrada em vigor do CPC de 2015, foi estabelecido um sistema de precedentes e uniformização da jurisprudência (arts. 489, § 1º, inciso VI, 926 e s.s, todos do CPC/2015), visando uniformizar o entendimento em relação à determinada matéria, por meio dos mecanismos de formação de precedentes. Os juízes e tribunais, a partir de então, devem observar também a existência de entendimento para a solução dos conflitos. Tais entendimentos passaram a ser efetivamente verdadeiras fontes de Direito.

Diante dessa inovação, o contencioso tributário sofreu impacto, no que diz respeito à vedação da compensação de tributo objeto de controvérsia judicial, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial, pois, ante o dever de observância aos precedentes ou à edição de súmula, o direito material em discussão em outros casos concretos que tratam a mesma matéria se torna líquido e certo, ou seja, o contribuinte poderá, a princípio, antever o resultado da apreciação de seu caso pelo juiz ou tribunal, evidenciando a desnecessidade de se esperar o trânsito em julgado, para início dos procedimentos necessários à compensação dos valores recolhidos indevidamente, a título de tributo.

Além dos mecanismos de formação de precedentes, o CPC de 2015, em seu artigo 311, dispôs sobre a tutela de evidência que, grosso modo, é uma tutela jurisdicional sumária satisfativa, fundada em um juízo de alta probabilidade ou de quase certeza da existência do direito, sendo desnecessária a demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo.

Uma das hipóteses de cabimento da tutela de evidência é a de que as alegações de fato possam ser comprovadas apenas documentalmente desde que haja tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante. Assim, o legislador abriu a possibilidade para que o contribuinte, após o julgamento de recurso repetitivo ou edição de súmula, requeira a concessão de tutela de evidência.

Assim, à luz das inovações trazidas pelo CPC de 2015, bem como pela Lei nº 10.522/02 que, em seu artigo 19, inciso II, atribui à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) possibilidade de deixar de contestar e recorrer ou desistir de recursos já interpostos nos casos em que exista decisão proferida, nos termos dos artigos 543-B e 533-C do CPC/73 (atual art. 1.036 do CPC/2015), ou seja, decisão proferida em conformidade com a sistemática do julgamento de Recursos Extraordinários e Especiais Repetitivos, a norma prevista no artigo 170-A do CTN poderá ser flexibilizada.

O sistema de precedentes trazido pelo NCPC impactou, inclusive, o Regimento Interno do CARF. Segundo o Regimento, é vedado aos membros das turmas de julgamento do referido Colegiado não aplicarem ou deixarem de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob o fundamento de inconstitucionalidade. Porém, toda regra comporta exceções, e uma das hipóteses é justamente a não aplicação de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo que fundamente crédito tributário, objeto de decisão do STF ou do STJ, em sede de julgamento realizado, nos termos da sistemática do julgamento de Recursos Extraordinários e Especiais Repetitivos, como preleciona o artigo 62, § 1º, inciso II, alínea “b” do RICARF. Mesma disposição é encontrada art. 2º, inciso V da Portaria PGFN n. 502/2016.

Assim, com base no sistema de precedentes e na tutela de evidência, inovações trazidas pelo NCPC, a 2ª Turma do CARF proferiu entendimento favorável à Compensação de crédito tributário, ainda que pendente discussão judicial sobre os respectivos créditos, ficando o deslinde da questão a critério dos recursos repetitivos e de repercussão geral, e não necessariamente do trânsito em julgado de ação própria do contribuinte, podendo, inclusive, preterir a via judicial, caso haja entendimento que lhe seja favorável no sistema de precedentes e uniformização da jurisprudência.

Ante o acima exposto, ao se tratar de casos que envolvam tributos, cuja discussão tenha sido objeto de tese firmada pelo STF e STJ, em julgamentos realizados sob as sistemáticas da repercussão geral e dos recursos repetitivos, que vinculam as instâncias inferiores como também a Administração Pública direta e indireta, o CARF sinaliza positivamente quanto à possibilidade de compensação administrativa de créditos tributários, sem a dependência do trânsito em julgado de sua ação judicial específica, conforme teor do art .170-A do CTN.

Leandro Xavier

Consultor em Direito Tributário

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