Decisão do STF gera risco aos brasileiros que possuem dupla cidadania

Os brasileiros que tenham requerido a dupla nacionalidade por derivação correm risco de perder a nacionalidade brasileira originária

No mês passado uma decisão do Supremo Tribunal Federal casou grande insegurança e questionamento na comunidade emigrante brasileira. Trata-se do caso de Cláudia Hoerig, a primeira pessoa nascida em território nacional a ser extraditada. Apesar da Constituição Federal de 1988 (CF/88) proibir a extradição de brasileiro nato em qualquer hipótese, a Suprema Corte determinou que Cláudia deveria voltar aos EUA para responder a acusação de assassinato de seu ex marido, vez que não seria mais brasileira. Segundo tal entendimento, Claudia haveria renunciado a cidadania brasileira no momento em que adquiriu a americana. Tal decisão abriu um forte precedente, gerando a dúvida se outros brasileiros que tenham obtido a cidadania italiana, ou qualquer uma diversa da americana, também podem enfrentar problemas semelhantes no futuro.

Antes de tudo, o ordenamento jurídico nacional , assim como o italiano, admite expressamente a possibilidade de dupla nacionalidade. No entanto, a CF/88 no art. 12 §4º faz algumas ressalvas:

 § 4º – Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que

II- adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos
a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira
b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis;

Nota-se que em regra a aquisição de uma segunda nacionalidade resulta na perda da brasileira, sendo apenas mantida caso haja enquadramento nas duas exceções previstas na CF/88.

Com base na alínea “a” do §4º do art. 12 da CF/88, constata-se que não há qualquer risco de perda ou restrição quanto à múltipla cidadania de brasileiros que possuam nacionalidade “originária” estrangeira, ou seja, aquela em virtude de nascimento (jus soli) ou de ascendência (jus sanguinis).  Dessa forma, a discussão é referente apenas aos brasileiros que possuem a nacionalidade “secundária/ derivada”, que por sua vez é adquirida mediante a naturalização, como por exemplo, em virtude de matrimônio ou residência.

Até então prevaleceu o entendimento de que a aquisição de uma segunda nacionalidade, mesmo que derivada, não gerava a perda da brasileira. Inclusive no site do Itamaraty constava a seguinte informação, sendo possível ainda encontra-la nos sites de alguns consulados, inclusive no de Milão:

Não há qualquer restrição quanto à múltipla nacionalidade de brasileiros. A nacionalidade brasileira não exclui a possibilidade de possuir, simultaneamente, outra nacionalidade. A perda de nacionalidade brasileira somente ocorrerá no caso de vontade formalmente manifestada pelo indivíduo. Em suma, ao tornar-se cidadão estrangeiro, por processo de naturalização, o cidadão brasileiro não perde automaticamente a cidadania brasileira, mas sim, passa a ter dupla cidadania: brasileira, por nascimento, e a estrangeira, por naturalização”.

Ocorre que no julgamento de Claudia Hoerig o STF decidiu que a carioca haveria renunciado a cidadania brasileira ao requerer a americana, com base nos dois argumentos expostos abaixo.

O primeiro e principal fundamento seria o de que não havia necessidade de aquisição da segunda nacionalidade, pois ela já possuía o Green Card (visto de caráter permanente e sem vínculos, que concede autorização para permanência, trabalho e gozo dos direitos civis).  Logo seguindo uma interpretação literal, o caso não se encaixa na exceção prevista pela CF/88 (art. 12 §4º II b), pois não trata de condição para permanência nos Estados Unidos ou para o exercício de direitos civis.

O segundo argumento utilizado pela Corte é que a pessoa que se candidata à naturalização americana deve, em solenidade pública, realizar juramento em que declara: “apoiar a Constituição dos Estados Unidos; renunciar e abjurar absoluta e totalmente toda lealdade e fidelidade a qualquer Estado ou soberania estrangeira de qual o candidato tenha sido sujeito de direitos ou cidadã”.

O STF determinou que essa solenidade é suficiente para configurar renúncia valida expressa, apesar de sempre ter sido informado nos órgãos governamentais de que tal renúncia deveria ser obrigatoriamente por escrito em consulados brasileiros ou na sede do Ministério da Justiça. Ou seja, sob esse prima o juramento seria mero formalismo já que os EUA reconhecem a dupla cidadania.

Para os interessados em requerer a dupla cidadania italiana, é crucial esclarecer e que as informações disponíveis no o site oficial do Consulado Geral do Brasil em Roma estão ainda desatualizas. Visto que tais informações estão conformidade com o entendimento que até então prevalecia, afirmando inclusive que “somente será instaurado processo de perda de nacionalidade quando o cidadão manifestar expressamente, por escrito, sua vontade de perder a nacionalidade brasileira. Caso contrário não ocorrerá processo de perda”.

É sobretudo importante assinalar que a República Italiana não exige qualquer tipo de juramento ou declaração nos moldes da solenidade americana, para que o estrangeiro possa se naturalizar, o que constitui um forte argumento favorável a possibilidade de dupla cidadania.

Mesmo assim, não se pode afirmar com convicção que os nacionais que adquiriram a nacionalidade italiana por derivação estão imunes a futuros problemas, pois infelizmente, o julgamento do STF abriu margem para uma nova interpretação, no sentido de que há sim restrição quanto à múltipla cidadania de brasileiros. Com o intuito de se resguardar, o Itamaraty imediatamente alterou as informações em seu site oficial referentes à perda de nacionalidade, afirmando atualmente que:

“Assim, nos termos do artigo 12, § 4º, inciso II da Constituição Federal, combinado com os artigos 249 e 250 do Decreto nº 9.199/2017, o brasileiro que voluntariamente adotar outra nacionalidade, ou seja, em desacordo com as exceções previstas no texto constitucional, poderá ser objeto de procedimento administrativo de perda da nacionalidade brasileira. No curso do processo, instaurado no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública, são garantidos aos brasileiros nesta situação os princípios do contraditório e da ampla defesa. Não restando comprovado ter ocorrido umas das hipóteses de exceção permitidas pela Constituição Federal, a perda da nacionalidade brasileira poderá ser decretada. Não se trata de processo automático, mas que pode vir a ser instaurado pelas autoridades do Ministério da Justiça e Segurança Pública”.

Dessa forma, conclui-se que os brasileiros que adquiriram a nacionalidade Italiana derivada não correm risco de perder o brasileiro DESDE que se enquadram em uma das exceções previstas no art. 12, §2ºII da CF/88.

Além disso, apesar do cenário de instabilidade, é importante lembrar que a perda de nacionalidade é uma medida excepcional e nunca ocorre de forma automática, só podendo ser efetivada por publicação de Decreto do Presidente da República no Diário Oficial da União após a instauração de processo administrativo em que o interessado tem o direito ao contraditório e a ampla defesa.

Por todo exposto, sugere-se que caso esteja prestes a formalizar um pedido de aquisição de nacionalidade estrangeira, o ideal é entrar em contato com um advogado especializado para que seja analisado se o caso concreto se encaixa nas hipóteses previstas pela CF/88 a fim de prevenir futuros problemas.

Fontes:

http://milao.itamaraty.gov.br/pt-br/nacionalidade_brasileira.xml

http://cgroma.itamaraty.gov.br/pt-br/nacionalidade.xml

http://losangeles.itamaraty.gov.br/pt-br/nacionalidade_-_perda_e_reaquisicao.xml

Equipe Direito Internacional

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