A necessidade da Governança Jurídica nas empresas familiares

As gerações nas empresas familiares

A sobrevivência dos empreendimentos controlados por famílias é um dos temas mais mencionados nos ambientes especializados. Levantamentos otimistas indicam que menos de 10% das empresas desse gênero conseguem atingir (em boas condições) a quarta geração nas mãos de uma mesma família controladora. Entre a primeira e a terceira gerações costuma ocorrer de tudo: crescimento (com ou sem compra de concorrentes), decadência no negócio, venda do controle acionário e muitas bancarrotas. Enfim, tudo na empresa familiar é mais difícil (NIGRI, 2013).

Nas empresas familiares, percebe-se a coexistência das relações jurídicas de família, propriedade e gestão que envolvem todos os seus integrantes e repercute diretamente no funcionamento do empreendimento. Em tais empreendimentos, verifica-se a sobreposição de direitos e obrigações entre os “parentes naturais ou civis”, os “titulares do direito de voto” e o “controle da empresa”, que interagem de forma simultânea, refletindo por completo no andamento dessas organizações empresariais.

Esse é o ponto comum relatado nas empresas familiares pelos referidos estudiosos: a presença de três diferentes, independentes e sobrepostos feixes de relações jurídicas advindas da família, propriedade e gestão envolvendo os membros de uma mesma família na atividade empresarial (ou seja, a “sobreposição de papéis”).

Nesse sentido, pessoas com algum vínculo de parentesco em dado momento de suas vidas se tornam também proprietárias e titulares de cotas ou ações sobre determinada organização empresarial, exercendo sobre ela o poder de controle da sua administração. Nas empresas familiares, indivíduos até então ligados somente pela relação familiar passam simultaneamente a se relacionarem também de forma profissional como sócios de determinado empreendimento, vindo a exercer uma posição societária de controle na condução dessa atividade empresarial.

Os 3 Círculos

Em sua obra, Gersick et al (1997) ilustram a presença e disposição dos três grupos de relações jurídicas dentro das empresas familiares por meio do esquema denominado “Os 3 Círculos”. A partir de estudos feitos na Universidade de Harvard, Gersick et al elaboraram um organograma ilustrativo em que é possível identificar com clareza a coexistência e interação das relações jurídicas de família, propriedade e gestão nas empresas familiares. 

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Figura 1- Modelo dos 3 Círculos | Fonte: Gersick et al (19997, p.6)

Além disso, nas empresas familiares se observa a mudança na natureza da relação jurídica estabelecida entre envolvidos nas empresas familiares. Tais pessoas deixam de ser apenas “parentes” para se relacionarem também como empreendedores inseridos numa estrutura societária empresarial.

As relações jurídicas que até então eram tratadas sob a ótica do Direito de Família transformam sua natureza, passando a ser regulamentadas por outros “princípios”, “regras” e “valores” jurídicos, próprios do Direito Empresarial. Ao deixar de ser uma mera “família” para se tornar uma “família empresária”, as pessoas que até então se relacionavam somente na condição de “parentes” passarão ser tratadas como “sócias” no âmago empresarial. As “normas” e “valores” do Direito que irão reger o novo tipo de relacionamento “comercial” entre aqueles indivíduos mudam de natureza jurídica, seguindo agora uma lógica racional e jurídica distinta da relação meramente “familiar”.

Assim sendo, na esfera empresarial não interessa mais a relação de “parentesco” e “solidariedade” eventualmente existente entre os empreendedores, mas sim o vínculo “associativo” ou “societário” que os une por meio de um contrato social, estatuto social ou acordo societário. No âmbito da “empresa familiar”, o foco contratado estará voltado para a conjugação de esforços de qualquer natureza sobre a atividade econômica organizada, com a finalidade de obter vantagens econômicas apropriáveis e a partilha desses resultados entre os sócios (ou seja, é observado o fenômeno da “transmudação das relações jurídicas”).

Práticas de Governança Jurídica para a prevenção e resolução dos conflitos

Por isso, as empresas familiares necessitam de implementar, de forma sistemática e contínua e como parte de seu planejamento estratégico, práticas de Governança Jurídica para a prevenção e resolução dos conflitos de qualquer natureza que possam surgir entre os sócios/familiares ao longo da administração e do exercício do poder de controle sobre o empreendimento.

Somente a inserção de medidas de gestão administrativa no planejamento das empresas familiares não basta para a resolução da sua complexidade jurídica. Devido à sua natureza, é preciso também adotar medidas estratégicas de Governança Jurídica. Este sempre foi e ainda é hoje o maior desafio das empresas familiares: criar, adequar e implementar medidas jurídicas de forma preventiva, contínua e planejada dentro da organização, fazendo com que essas medidas sejam incluídas como parte da estratégia da corporação, de forma a viabilizar a exploração das suas atividades com maior segurança jurídica e eficácia possível.

Em outras palavras, as empresas familiares precisam romper com o senso comum de que medidas jurídicas servem apenas para resolver, de forma reativa, problemas já existentes, normalmente já em conflito na esfera judicial.

 A família empresária necessita enxergar que o conhecimento da técnica jurídica deve ser utilizado de forma consultiva para auxiliar a tomada de decisões nos negócios (suporte preventivo na análise do risco), a busca por soluções empresariais (formatação mais adequada para os negócios e novas demandas), o planejamento estratégico da corporação (busca por melhores resultados) e, ainda, a prevenção de conflitos societários (segurança para os membros da família investidora).

Matheus Bonaccorsi

Especialista em Direito Empresarial

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