COMO PROTEGER OS BENS DO MEU FILHO “ESPECIAL”

Hoje iremos abordar uma situação familiar delicada, muito importante para a manutenção da união familiar, e, que merece atenção de todos os envolvidos dentro de uma família, a proteção dos bens de um filho “especial”.

Trata-se do seguinte ponto: como proteger o meu irmão, neto ou filho “especial”? Existe alguma possibilidade de proteger o patrimônio dessa pessoa especial, que do ponto de vista jurídico é considerada como “incapaz”? Tem algo que possa ser feito para preservar o patrimônio e a sustentabilidade dessa pessoa no tempo? E quando os seus Pais ou responsáveis falecerem, como ficará a situação patrimonial desse filho, irmão ou neto especial?

O tema de hoje foi inspirado num planejamento patrimonial e familiar que desenvolvemos para uma família que é composta pelos Pais, o Pai e a mãe ainda vivos mas já idosos em idade mais avançada, e 2 (dois) filhos vivos maiores (ambos tinham acima de 18 anos), sendo que um deles é especial, tem síndrome de down e não tem pleno discernimento das questões civis, patrimoniais e financeiras, apesar de ser um menino muito inteligente, esperto e ativo. A preocupação dos Pais, claro, era elaborar uma estrutura que garantisse a sobrevivência do filho incapaz ao longo do tempo, especialmente após o falecimento deles, Pais, que são os atuais responsáveis pelo filho.

Bom, primeiramente importante esclarecer que o caso hoje se refere a uma pessoa que tinha especificamente a síndrome de down mas serve também para qualquer outro tipo de síndrome, deficiência, doença, ou ainda, qualquer outro motivo de limitação que leve à perda da capacidade civil de uma pessoa. Essa limitação pode ter sido adquirida infelizmente desde o nascimento, ou posteriormente como por exemplo no caso de um acidente ou doença que tenha, também infelizmente, acometido algum membro da nossa família em algum estágio da sua vida.

Mas o que seria essa incapacidade civil já no nascimento ou perda da capacidade civil no futuro? Para o mundo jurídico, as situações de incapacidade seriam aqueles casos em que, por algum motivo, a pessoa perda, em alguma medida, o total entendimento sobre o alcance dos direitos e obrigações que existem nas relações civis, entre pessoas, dentro de uma convivência em sociedade. A pessoa não possui um total discernimento, uma noção clara e nem uma dimensão plena das questões patrimoniais e financeiras que são oriundas dos relacionamentos internos e externos com terceiros.

Por isso, dizemos que essa pessoa é incapaz do ponto de vista civil, e necessita de um cuidado especial de alguém com plena capacidade civil para melhor cuidar e proteger os seus interesses não da saúde, mas também os seus interesses patrimoniais e financeiros.

Voltando ao caso da família que relatei, inicialmente tínhamos o seguintes problemas: Primeiro problema: Se os Pais nada fizessem, o filho incapaz receberia futuramente a sua parte na herança em caso de falecimento dos Pais, vindo a ser necessária a intervenção da Justiça e do Ministério Público para opinar e definir essa situação; Segundo problema: Se os Pais utilizassem os instrumentos do Testamento, em conjunto ou não, com o instrumento da doação em vida de bens para fazer já realizar o planejamento sucessório, ainda assim o filho incapaz viria a receber parte do patrimônio da família como herança advinda da parte legítima, mesmo que se buscasse diminuir ao máximo essa parte com a doação da parte disponível para o outro irmão administrar. Neste caso, também teríamos a necessidade da intervenção da Justiça e do Ministério Público para opinar e interferir nessa situação porque o filho incapaz continuaria a receber e nome próprio (ou seja, viria a ser titular e proprietário) de parte dos bens móveis e imóveis da família.

Então qual foi a saída que encontramos para esse caso? A nossa ideia foi a de fazer o planejamento sucessório utilizando um instrumento específico: qual seja, a constituição de uma holding patrimonial familiar para administrar os bens próprios da família. Mas não foi uma holding comum, normal. Essa nova empresa familiar precisou ter algumas características específicas, dentre elas uma principal: criamos 2 tipos de ações para diferenciar os direitos de cada sócio: ações ordinárias e ações preferenciais.

As ações ordinárias, foram recebidas pelo filho capaz que tinha o direito de voto e definição sobre a gestão da sociedade patrimonial da família. Já as ações preferenciais, foram destinadas ao filho especial, incapaz, que não tinha direito de voto (justamente em razão da sua limitação), mas tinha o direito especial de receber uma distribuição de lucro fixa e dentro de um valor mensal compatível com as suas despesas pessoais, garantindo assim o seu sustento vitalício com tranquilidade e segurança.

No caso dessa família, optamos por utilizar o tipo de sociedade, em empresa, que denominados de “sociedades anônimas fechadas” para proteger o patrimônio da família. Isso porque o volume de patrimônio da família era considerável (tinham vários bens imóveis) e por outras circunstâncias (o Pai era empresário), entendemos que esse tipo de empresa que é a “sociedade anônima” viria a proteger melhor e de forma mais adequada a família.

Mas gostaria de ressaltar que, mesmo que a família tivesse pouco patrimônio ou não tivesse recursos financeiros para manter uma empresa, existe uma opção mais barata que é utilização de uma empresa limitada. É possível utilizar a chamada “sociedade limitada” – LTDA (que é o tipo de sociedade mais comum aqui no Brasil) para também realizar esse planejamento sucessório e conseguir ter 2 (dois) tipos de cotas diferentes entre os sócios: as  cotas ordinárias e as cotas preferenciais.

Inclusive, eu já gravei um vídeo a respeito cujo link vou deixar na descrição. Assiste aqui no Canal que você via achar as explicações jurídicas sobre a possibilidade de constituir uma empresa limitada que tenha essas características e diferenciação entre os sócios. Atualmente a questão está pacificada e desde 2017 os órgãos públicos admitem com clareza a utilização das empresas limitadas com 2 (dois) tipos de cotas diferentes.

Assim, resolvemos o caso da família da seguinte forma:

  • Passamos todo o patrimônio de bens imóveis dos Pais para o nome da empresa familiar, que tem por finalidade exercer as atividades de uma holding patrimonial;
  • Nessa transferência, economizamos o custo do ITBI municipal (tributo cobrado pelas Prefeituras) porque fizemos essa transferência por meio da realização de capital social;
  • Os Pais fizeram a doação das cotas aos filhos, com a reserva de usufruto e outras cláusulas restritivas a fim de garantir que eles, Pais, estivessem na administração da empresa de forma vitalícia. Ou seja, enquanto estivessem vivos poderiam usar e receber os alugueis e demais bens da empresa;
  • Conseguimos reduzir o custo do ITCMD estadual, que é o imposto sobre a doação na medida em que os valores das cotas ficaram menor porque os bens foram integralizados pelos valores históricos declarados nos Impostos de Renda dos Pais;
  • Todo o patrimônio da família foi e será preservado após o falecimento futuro dos Pais, sem necessidade de intervenção da Justiça ou Ministério Público;
  • O irmão capaz recebeu as cotas ordinárias com direito a voto e definição sobre a administração da empresa;
  • O irmão especial, incapaz, recebeu as cotas preferenciais com direito a um dividendo fixo mensal e garantia de recebimento de dinheiro suficiente para o seu sustento vitalício com tranquilidade e segurança, mesmo após o futuro falecimento dos Pais.

Bom, assim foi feito de maneira a resolver essa situação dentro da família e conferir proteção legal, patrimonial e financeira ao filho especial.

 

 

Matheus Bonaccorsi

Advogado especialista em Direito Empresarial

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