Como vender um bem de pai para filho: cuidado!

É possível um Pai ou uma Mãe vender um bem móvel ou imóvel para um filho? É possível realizar essa venda com segurança? E se a família tiver outros filhos e a venda for feita para apenas um dos filhos? Os Pais podem realizar essa venda somente para um dos filhos, independentemente da vontade dos demais filhos? Ou todos os demais filhos devem concordar com a venda e as condições do negócio?

Eu sempre digo: busque informações e procure se inteirar as regras e condições dispostas na legislação antes de tomar qualquer decisão que envolva, de um lado patrimônio, bens dinheiro, e do outro lado a relação entre familiares, Pais, irmãos, enfim, pessoas com algum vínculo de parentesco.

Aqui no Brasil, pela nossa cultura, é muito difícil mesmo falarmos abertamente de dinheiro e bens, ainda mais dentro de uma família. Nem sempre é fácil sentar em volta de uma mesa para discutirmos, em conjunto, a melhor forma de administração e destinação desses bens. E justamente devido a essa falta de conversa, clareza e transparência, surgem desentendimentos entre os familiares e as diferenças, muitas vezes não compreendidas por todos, vêm a tona com o passar do tempo sob a forma de brigas, discussões e, até mesmo, processos judiciais entre os próprios familiares! Isso mesmo! Litígios e processos patrimoniais por falta de uma boa conversa e conciliação!

Primeiramente, importante você saber que sim! A legislação brasileira permite que um Pai, uma Mãe, faça a venda de um bem móvel ou imóvel para um filho. Inclusive, essa venda poder ser realizada para um só filho, caso a família seja composta também por outros filhos. O nosso Código Civil é claro nesse ponto mas, porém, exige que esse tipo de negócio seja feito com algumas regras e condições específicas para que seja considerado válido! E é justamente aqui que você deve ficar atento e não dar bobeira na hora de fazer uma venda desse tipo!

Para facilitar o entendimento, quero dividir e classificar as regras em 2 (dois) tipos: primeiro, regras ou cuidados básicos, que são os necessários, imprescindíveis de serem observados; e segundo, as regras ou cuidados complementares, que são os adicionais, que devem ser observados em situações específicas.

Primeiro, vamos aos cuidados básicos! São 2 (duas) regras básicas! O primeiro cuidado que deve ser observado é o chamado “consentimento”. Para se fazer esse tipo de venda é necessário pegar a anuência expressa dos demais irmãos do Comprador caso a família seja formada por mais de um filho. Os irmãos do Comprador devem manifestar a concordância com a realização da venda que será realizada pelos Pais.

Além disso, é necessário pegar também a anuência do próprio cônjuge do Pai ou da Mãe que deseja fazer a venda para o filho. Ou seja, é necessário consultar e pegar a concordância expressa também da sua esposa ou marido, se vocês forem casados, ou do seu eventual companheiro ou companheira, se vocês tiverem uma união estável.

Assim, é imprescindível nesse tipo de venda que, além da concordância dos demais filhos que são os irmãos do filho Comprador, o Vendedor (que é o Pai ou a Mãe) pegue também e conjuntamente a anuência do seu cônjuge.

Essa anuência somente não será necessária quando o regime patrimonial escolhido entre os Pais for o chamado “regime obrigatório de separação de bens”. Esse regime é aquele que a lei impõe e obriga que os cônjuges observem quando temos algumas situações específicas dentre as quais são 2 (duas) mais comuns e corriqueiras: quando uma das partes é maior de 70 anos, e, quando uma das partes é menor de idade e precisa de autorização dos Pais para casar.

Mas veja! Isso é importante: não estou falando aqui do “regime voluntário de separação de bens” que é muito comum de ser adotado entre pessoas empresárias para resguardar os interesses do casal. Nesse caso de “regime voluntário de separação de bens”, o consentimento do cônjuge ou companheiro por escrito continua a ser imprescindível para que a venda seja considerada válida!

Por isso, cabe ressaltar que a exceção da lei existe somente quando o regime de bens é o de “separação obrigatória de bens”. Aí sim, nos casos em que o regime de separação é “obrigatório” para os cônjuges, é que não será necessário o consentimento do outro cônjuge para se realizar a venda do bem ao filho porque justamente esse outro cônjuge ou companheiro não detém qualquer interesse sobre o bem vendido, já que não é considerado pela lei como sendo meeiro (em caso de divórcio) ou herdeiro (em caso de falecimento) em relação ao outro cônjuge e seu respectivo patrimônio.

Bom, sobre a segunda regra básica, gostaria de lembrar o seguinte: para que a venda de Pai para filho seja anulada, é necessário que os demais filhos e/ou o próprio cônjuge que não deram o consentimento necessário para a realização do negócio venham a requerer a anulação dessa venda na Justiça dentro do prazo de 2 anos a contar da conclusão do ato. Para que seja anulada, é preciso que dentro do prazo de 2 anos venha a existir uma provocação formal por meio de um processo judicial proposto pelas pessoas prejudicadas para anulação na Justiça da venda realizada pelo Pai ou pela Mãe sem o consentimento dos demais filhos ou do próprio cônjuge. Do contrário, essa venda continua sendo válida mesmo se tiver sido realizada com certos vícios e sem a observância de todos os requisitos da lei e, com o passar dos 2 anos e na ausência de reclamação por qualquer membro da família, acaba por ser tornar consolidada em definitivo sem a possibilidade mais de anulação futura. Essas são as regras básicas!

Agora, eu gostaria de lhe passar 2 cuidados adicionais para realização desse tipo de operação. Primeiro: se o valor da compra e venda for feita pelo valor mínimo descrito no Imposto de Renda do Pai ou da Mãe, ou mesmo se for realizada por um valor inferior ao que o bem vale no mercado atualmente. Exemplo: o bem vale hoje R$300mil, esse é o seu valor de venda no mercado. Mas na época esse bem foi adquirido por R$100mil e será agora vendido por esse R$100mil, seja porque esse é o valor que ainda se encontra declarado no IR dos Pais, ou seja porque os Pais decidiram por qualquer motivo que esse seria o valor justo para a venda do bem ao filho.

Cuidado! Pode existir uma cobrança de ITCMD ou IR nessa operação.

Outra situação: os Pais querem fazer a doação do bem ao filho mas, após analisar os custos envolvidos na doação preferem dissimular esse ato de doação e fazer, do ponto de vista formal, uma operação de compra e venda disfarçada.

Cuidado! Pode existir uma cobrança de ITCMD ou IR nessa operação.

Nas duas situações relatadas, existem 2 (dois) riscos tributários da seguinte ordem que podem estourar no futuro e serem cobrados com multas pesadas, juros e correção pelo Fisco.

Primeiro, o Fisco Estadual pode vir a cobrar o ITCMD por considerar que nessa compra e venda realizada no valor do IR dos Pais ou em valor muito inferior ao de mercado as Partes quiseram, na verdade, burlar o Fisco e deixar de pagar o imposto sobre uma doação. Ou seja, a compra e venda foi feita totalmente fora das condições razoáveis de preço de mercado justamente para simular uma compra e venda com intuito de ocultar uma doação e o pagamento do imposto. Inclusive, em alguns casos não existe fluxo financeiro de pagamento entre as Partes, não existe transferência bancária de dinheiro entre os Pais e o filho que possa ser demonstrada como uma verdadeira compra e venda. As Partes apenas ajustam os lançamentos de débito e crédito nas declarações de imposto de renda mas não realizam de fato essa operação com a transferência real de dinheiro e recursos patrimoniais.

Segundo, a Receita Federal pode entender que, devido a relação de parentesco, a compra e venda realizada pelos Pais ao filho no valor declarado no IR ou em valor inferior ao de mercado foi, na verdade, realizada com a intenção de burlar o ganho de capital que teria existido nessa operação. Os Pais, na qualidade de Vendedores, ao manipular para baixo o preço do bem deixaram de reconhecer o ganho de capital nessa operação e com isso sonegaram o pagamento de 15% a 22,5% sobre o ganho dessa venda comparado com o valor de mercado do bem.

Matheus Bonaccorsi

Advogado especialista em Direito Empresarial

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