No contexto e no cenário empresarial, a proteção de informações estratégicas, clientela e investimentos requer mecanismos contratuais adequados.
A cláusula de não concorrência surge como um instrumento eficaz para evitar que sócios, empregados ou parceiros passem a atuar em concorrência direta após o término da relação jurídica. Contudo, sua validade depende da observância aos limites legais e jurisprudenciais, garantindo equilíbrio entre a proteção empresarial e a liberdade profissional das partes.
A cláusula de não concorrência é uma disposição contratual pela qual uma das partes se compromete a não exercer atividade empresarial ou profissional que concorra com o negócio de outra, por determinado tempo, em território delimitado e em condições previamente estabelecidas. Seu objetivo principal é proteger o patrimônio intangível da empresa — como clientela, segredos de mercado, know-how e informações estratégicas.
Esse tipo de cláusula pode estar presente em contratos sociais, contratos de trabalho, contratos de prestação de serviços e em operações de fusão e aquisição de empresas. Trata-se, portanto, de mecanismo de preservação dos investimentos realizados e da vantagem competitiva conquistada pela empresa.
O fundamento legal encontra respaldo no art. 421 do Código Civil, que consagra a liberdade contratual, mas a condiciona à função social do contrato. Isso significa que, embora válida, a cláusula deve observar critérios de proporcionalidade, evitando restrições abusivas ao direito ao trabalho e à livre iniciativa.
Ainda que os Contratos particulares ocorrerem da vontade das partes, as cláusulas se submetem ao exposto, também do art. 114 do Código Civil, que estabelece a necessidade de interpretação restritiva à renúncia. Principalmente por se tratar de renuncia ao direito de livre iniciativa, preconizado na Constituição Federal nos seus artigos 1º, IV e 170º, caput e IV. Nesse sentido existem limitações conquanto ao tema:
Limitação Legal e da Jurisprudência
A doutrina e a jurisprudência estabeleceram parâmetros para que a cláusula seja considerada válida:
- Limitação temporal – não pode ser indefinida, ou seja, não pode ser uma cláusula eterna, conforme entendimento do STJ no julgamento do REsp 2.185.015-SC.
Em contratos de trespasse, por exemplo, o Código Civil prevê duração máxima de 5 anos, salvo disposição contratual diversa. Em contratos de trabalho, a jurisprudência costuma aceitar períodos entre 2 e 5 anos.
- Delimitação territorial – deve restringir-se à área de atuação real da empresa. Restrições amplas, como “em todo o território nacional”, podem ser consideradas abusivas.
- Objeto determinado – a vedação deve recair apenas sobre atividades que concorram diretamente com o negócio protegido, evitando proibições genéricas.
- Contrato escrito – a formalização é essencial para dar clareza e segurança jurídica às partes.
Quando bem redigida, a cláusula de não concorrência constitui instrumento de planejamento estratégico. Tendo como função evitar a prática de concorrência desleal e desvio de clientela, a fim de garantir que a satisfação dos interesses contratuais ocorra mesmo após a extinção do vínculo e da relação.
Abaixo, tome-se como exemplo a cláusula inserta em contrato de “Engineering, Procurement and Construction”, em que a Contratada não poderia se envolver comercialmente com atividades concorrentes aos negócios da Contratante, produtora exclusiva de etanol de cana-de-açúcar, em um raio de 100 quilômetros da Usina Alvorada, empreendimento de sua propriedade exclusiva.
“21.1. Durante o período de execução das obras e pelo período de 1 (um) ano após a assinatura do Termo de Entrega, a Contratada não poderá se envolver comercialmente, prestar serviços ou participar, direta ou indiretamente, de atividade concorrente com os negócios da Contratante, seja por meio de parcerias, joint ventures, ou qualquer outra forma que possa criar um conflito de interesses com as atividades da Contratante.
21.1.1. Não obstante o quanto disposto no item acima, não constituirá’ violação ao compromisso de exclusividade e não concorrência: (i) atividade de qualquer natureza não englobada pelo Escopo da Obra; (ii) prestação de serviço de consultoria.
21.1.2 A abrangência territorial das obrigações de exclusividade e não concorrência será’ limitada ao raio de 100 km (cem quilômetros) da Usina.
21.2. A Contratada declara, sob pena de responsabilidade contratual e legal, que, no momento da celebração deste contrato, não possui qualquer contrato em vigor ou compromisso futuro que viole os termos desta cláusula de exclusividade.
21.3. A violação de qualquer dos termos de não concorrência previstos nesta cláusula ensejara’ o pagamento de multa indenizatória no valor de 10% (dez por cento) do Preço Global atualizado, sem prejuízo de outras medidas legais cabíveis”.
Ora vejamos, nesse exemplo visualizamos a inserção da cláusula de não concorrência através de todos os limites apresentados acima: (i)limites temporais, ao limitar o período de 01 (um) ano; (ii) limite territorial, limitando ao raio de 100km (cem quilômetros) da Usina; (iii) objeto determinado que é a produção de Etanol; e (iv) Formalização do Contrato.
Como visto, as cláusulas de não concorrência são ferramentas relevantes para proteger interesses empresariais sensíveis — como clientela, know-how e informações estratégicas — desde que observem os limites de proporcionalidade e razoabilidade fixados pela legislação e pela jurisprudência.
Trata-se, portanto, de um mecanismo contratual de prevenção de riscos, que deve ser elaborado com suporte jurídico especializado, garantindo validade, equilíbrio e segurança na preservação dos interesses empresariais.
Por Felipe Fonseca Costa Oliveira – OAB/MG 229.671