08/10/2025

Autocuratela: Planejamento de Curatela Antecipado

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A sociedade contemporânea tem se deparado com o aumento da expectativa de vida e, por conseguinte, com a necessidade de instrumentos jurídicos que garantam a autonomia e a dignidade das pessoas diante de eventual perda de capacidade. Nesse contexto, surge o instituto da AUTOCURATELA, também denominado planejamento antecipado da curatela, como uma forma moderna de assegurar que as vontades e preferências individuais sejam respeitadas em situações futuras de incapacidade.

A AUTOCURATELA consiste em declaração de vontade lavrada por pessoa plenamente capaz, mediante escritura pública, na qual estabelece diretrizes para a futura curatela, caso venha a ser acometida por enfermidade ou condição que a torne incapaz de exprimir sua vontade.

Trata-se de um ato de planejamento jurídico e patrimonial, que permite à pessoa definir quem será o curador, quais os limites e poderes de administração, e quais princípios deverão nortear a gestão de seus bens e interesses. Assim, a AUTOCURATELA é expressão direta do princípio da autonomia privada e da dignidade da pessoa humana, fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, da Constituição Federal).

Embora não exista previsão expressa no Código Civil ou em lei específica, a AUTOCURATELA encontra sólido respaldo em diversos dispositivos do ordenamento jurídico brasileiro, que, interpretados de forma sistemática, legitimam sua utilização, conforme podemos ver a seguir.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

O art. 1º, III, da Constituição da República, estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Esse princípio orienta toda a atuação estatal e privada no sentido de respeitar as escolhas individuais, inclusive no âmbito da capacidade civil e da representação.

CÓDIGO CIVIL E CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL:

O art. 1.767 do Código Civil enumera as hipóteses de sujeição à curatela, como a incapacidade de exprimir vontade por causa transitória ou permanente, os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os pródigos.

Já o art. 755 do Código de Processo Civil dispõe que, ao decretar a interdição, o juiz deve considerar as características pessoais do interdito, bem como suas potencialidades, habilidades,
vontades e preferências. Esse dispositivo é a base para que o magistrado reconheça, na sentença, as diretrizes previamente manifestadas na Escritura Pública de AUTOCURATELA.

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (LEI Nº 13.146/2015):

O art. 84 do Estatuto assegura à pessoa com deficiência o exercício da capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas, estabelecendo que a curatela é medida protetiva extraordinária e proporcional, a ser aplicada pelo menor tempo possível.

NORMAS NOTARIAIS (PROVIMENTO CONJUNTO Nº 93/2020 DA CGJ/TJMG):

No âmbito do Estado de Minas Gerais, o Provimento Conjunto nº 93/2020 da Corregedoria-Geral de Justiça traz importantes dispositivos que embasam a lavratura da AUTOCURATELA:

  • Art. 7º, I: confere aos tabeliães competência para formalizar juridicamente a vontade das partes;
  • Art. 170, I: atribui ao Tabelionato de Notas a exclusividade na lavratura de escrituras públicas em geral;
  • Art. 182: define a escritura pública como instrumento dotado de fé pública e força probante plena;
  • Art. 288: autoriza expressamente a lavratura de declaração antecipada de vontade de pessoa capaz, abrangendo instruções sobre corpo, personalidade, administração familiar e patrimonial em caso de impossibilidade futura de manifestação de vontade.

Tais dispositivos consolidam a validade notarial e jurídica da AUTOCURATELA, reconhecendo-a como ato lícito e eficaz dentro do sistema brasileiro.

A formalização da AUTOCURATELA deve ocorrer por escritura pública lavrada em Cartório de Notas, assegurando-se a fé pública e a autenticidade do ato.
O documento poderá conter, dentre outros aspectos:

  • a indicação nominal do futuro curador (ou curadores sucessivos ou compartilhados);
  • as regras e limites para administração de bens e tomada de decisões;
  • instruções específicas sobre cuidados pessoais, preferências de moradia, e orientações quanto ao destino do patrimônio;
  • cláusulas sobre prestação de contas e fiscalização judicial.

No momento em que for instaurado o processo de interdição, caberá ao juiz homologar as disposições contidas na escritura, sempre observando à vontade anteriormente manifestada pelo curatelado

A AUTOCURATELA se consolida como instrumento inovador de planejamento civil e notarial, voltado à preservação da vontade e da dignidade humanas.
Sua adoção reflete a evolução do Direito Privado contemporâneo, que se afasta do paternalismo estatal e se aproxima da autonomia da vontade como eixo central da capacidade civil.

Embora ainda carente de previsão legislativa específica, o instituto se mostra plenamente compatível com a ordem jurídica vigente, podendo e devendo ser utilizado como meio legítimo de expressão de liberdade pessoal e proteção patrimonial.

Trata-se, portanto, de um mecanismo extrajudicial de prevenção de riscos, que deve ser elaborado com suporte jurídico especializado, garantindo validade, equilíbrio e segurança na preservação dos interesses empresariais.

Por Felipe Fonseca Costa Oliveira – OAB/MG 229.671

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