A Lei Complementar nº 190 alterou a Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir) para regulamentar a cobrança do Diferencial de Alíquota (DIFAL) do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em operações e prestações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes do imposto. Essa legislação foi uma resposta à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.287.019 (Tema 1.093) e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.469, que declarou inconstitucional a cobrança do DIFAL sem uma lei complementar que estabelecesse normas gerais, como exigido pela Emenda Constitucional nº 87/2015.
Todavia, a nova norma complementar trouxe diversos pontos objeto de impasse entre o fisco e os contribuintes, afetando diretamente empresas de e-commerce, que realizam a venda de produtos ao consumidor final, conforme analisamos a seguir.
A EC 87/2015 mudou a distribuição do ICMS nas operações interestaduais, transferindo parte da arrecadação do estado de origem para o estado de destino, especialmente em vendas a consumidores finais não contribuintes, como no comércio eletrônico. Essa repartição da arrecadação se dá por meio do DIFAL (Diferencial de Alíquota do ICMS), que foi criado para atender às mudanças no comércio, especialmente com o crescimento do e-commerce, e evitar que o estado de origem do produto ficasse com toda a arrecadação em detrimento do estado de destino, onde está o consumidor final. Esse diferencia de alíquota é obtido por meio da diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual, e é recolhido para o Estado de destino da operação.
Até então, a regulamentação ocorria por meio do Convênio ICMS nº 93/2015, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), mas o STF determinou que apenas uma lei complementar poderia disciplinar essa cobrança. A Lei Complementar 190/2022 veio para preencher essa lacuna, definindo regras sobre o contribuinte, o fato gerador, a base de cálculo e as obrigações acessórias, além de prever a criação de um portal para divulgar informações tributárias.
A lei entrou em vigor na data de sua publicação (5 de janeiro de 2022), mas seu artigo 3º estabeleceu que os efeitos seriam produzidos observando o princípio da anterioridade nonagesimal (art. 150, III, “c” da Constituição Federal), que exige um prazo de 90 dias entre a publicação da lei e o início da cobrança do tributo. Além disso, o ICMS está sujeito à anterioridade anual (art. 150, III, “b”), que proíbe a cobrança no mesmo exercício financeiro da publicação da norma que institui ou aumenta o tributo. Como a LC 190/2022 foi publicada em 2022, muitos contribuintes e especialistas argumentaram que sua aplicação só poderia ocorrer a partir de 1º de janeiro de 2023, respeitando ambos os princípios.
No entanto, o artigo 24-A, § 4º da Lei Kandir, alterado pela LC 190/2022, vinculou a produção de efeitos à disponibilização de um portal eletrônico pelos estados, com a exigência começando no primeiro dia útil do terceiro mês subsequente a essa disponibilização. Desta forma, os Estados que já possuíssem o mencionado portal poderiam interpretar a norma no sentido de que a cobrança já poderia começar em abril de 2022, após os 90 dias da publicação da lei. Observa-se, portanto, que o período de transição da LC 190/2022 gerou uma série de controvérsias e litígios, especialmente devido às interpretações conflitantes sobre o início da cobrança do DIFAL.
Ao nosso ver, é evidente que a cobrança em 2022 violaria a anterioridade anual, especialmente em casos onde se verifique a majoração indireta de tributo, o que demanda observância da anterioridade anual, pois a lei foi publicada no mesmo exercício financeiro em que se pretende aplicá-la. Esse entendimento levou ao ajuizamento de diversas ações no STF, questionando a constitucionalidade da exigência imediata, o que ainda se encontra pendente de solução.
Concluímos que, em que pese a Lei Complementar 190/2022 ter sido um marco na regulamentação do DIFAL, seu período de transição expôs fragilidades legislativas e interpretativas, gerando grande controvérsia judicial. A dualidade entre os princípios da anterioridade anual e nonagesimal, somada à pressão dos estados por arrecadação e à resistência dos contribuintes, resultou em um cenário de litígios que ainda aguarda resolução pelo STF. Para empresas e cidadãos, o desfecho definirá não apenas a legalidade da cobrança em 2022, mas também os rumos da segurança jurídica no sistema tributário brasileiro. Até lá, recomenda-se que contribuintes busquem orientação jurídica para avaliar riscos e possíveis ações judiciais.
Conte com nosso auxílio jurídico para, em conformidade com a legislação vigente, avaliarmos a melhor forma de atuação para sua empresa em operações submetidas ao DIFAL.
Por Igor Rosa – OAB/MG 168.202
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