Uma dúvida muito recorrente que recebo no escritório é a seguinte: os pais morrem e os herdeiros, ou parte deles, permanecem no imóvel como moradia, sendo este o único bem imóvel residencial da família. Será que esse bem imóvel pode ser considerado como “bem de família”? O imóvel continua sendo protegido como “bem de família”? Ele é impenhorável ou responde pelas dívidas do falecido?
Os pais morrem e os herdeiros, ou parte deles, permanecem no imóvel, que é o único bem imóvel residencial da família. Será que esse bem imóvel continua protegido como “bem de família” e é impenhorável? Tivemos uma decisão judicial recente sobre o assunto proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial nº 2.111.839 que decidiu, por unanimidade, que o único imóvel residencial do espólio, ocupado por herdeiros do falecido, continua protegido como bem de família e, por isso, não pode ser penhorado para garantir dívida deixada pelo autor da herança.
O nosso Código Civil adota o princípio da saisine previsto no artigo 1.784 do CC, que estabelece que a herança é automaticamente transmitida aos herdeiros com a abertura da sucessão, fazendo com que eles assumam o patrimônio nas mesmas condições jurídicas que o falecido possuía antes da morte. Com isso, os herdeiros se sub-rogam na posição jurídica do falecido e também recebem as proteções legais que amparavam o autor da herança, entre elas a impenhorabilidade do bem de família. A transmissão hereditária, por si, não tem o efeito de desconfigurar ou afastar a natureza do bem de família, desde que sejam mantidas as características de imóvel residencial próprio da entidade familiar.
Portanto, a proteção do bem de família se estende ao espólio, podendo ser invocada pelos herdeiros, mesmo na ausência de partilha formal. O único imóvel utilizado como residência permanente da família é impenhorável, independentemente da natureza da dívida ou da execução. Essa proteção está prevista nos artigos 1º, 3º e 5º da Lei 8.009/1990, tem caráter de norma de ordem pública e, ainda, só pode ser afastada nas hipóteses excepcionais previstas no artigo 3º, as quais devem ser interpretadas restritivamente.
Entretanto, apesar da proteção da impenhorabilidade sobre o imóvel assim permanecer após a sucessão, cabe ressaltar que o espólio e os herdeiros respondem pelas dívidas do falecido apenas dentro dos limites de suas partes na herança, conforme o artigo 1.997 do Código Civil (CC). O reconhecimento da impenhorabilidade não extingue a dívida nem exime o espólio da responsabilidade patrimonial. A dívida permanece íntegra e plenamente exigível, sendo apenas vedada a sua satisfação por meio da constrição do imóvel. Dessa maneira, o credor mantém o direito de buscar a satisfação da dívida por outras vias legalmente admitidas, como a penhora de bens do espólio que não estejam resguardados por proteção legal.
Inclusive, caso queira aprofundar sobre esse assunto, vale a pena também ver os outros precedentes judiciais do STJ no REsp 1.960.026/SP e AgRg no REsp 1.341.070/MG. Portanto, fique atento e proteja o seu bem de família!